“Presente de grego”
Carlos Albán González - jornalista
Era o dia 18 de maio de 2011. No luxuoso e prazeroso Hotel
Transamérica, em Comandatuba, na Bahia, estavam reunidos alguns dos maiores
pesos pesados do empresariado nacional, convidados pela Odebrecht para ouvir
uma palestra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a política
econômica dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Ninguém poderia
imaginar que naquele instante estava sendo “embrulhado” um “presente de grego”
de um torcedor de futebol ao seu clube de coração.
Entre goles de uísque importado 12 anos, Lula, que havia
completado oito anos na Presidência da República, levou para uma sala reservada
do hotel Emílio e Marcelo (pai e filho) Odebrecht. Sem rodeios, na presença de
Andrés Sanchez, presidente do Corinthians, pediu que o gigantesco conglomerado
construísse, na distante região de Itaquera, em S. Paulo, um estádio para o seu
clube, o Corinthians.
Aquele encontro no litoral baiano aproximava os interesses
das duas partes: Lula pretendia ampliar o leque de apoio ao seu partido, visando
futuras eleições, abraçando a numerosa torcida do seu “Curintia”, na dicção do
petista; a Odebrecht olhava com bons olhos o volume de construções anunciadas
pelo governo de Dilma Rousseff, o que incluía as Olimpíadas de 2016.
Mas Lula tinha outros planos, que começaram a ser costurados
um ano antes, com a visita do francês Jérôme Valcke, secretário da FIFA, ao
Brasil, para inspecionar os estádios que receberiam os jogos do Mundial.
Influenciado pelo petista e pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que não
escondia sua antipatia ao São Paulo F. C., Valcke, que, depois da Copa, acusado
de corrupção, foi banido do futebol, vetou o “Cícero Pompeu de Toledo”, o
Morumbi, na época, o estádio mais moderno do país, com capacidade para mais de
100 mil pessoas, localizado numa região de fácil acesso da capital paulista.
Estava decretado: o estádio dos paulistas na Copa seria o
“Itaquerão”, cujo orçamento inicial de R$ 450 milhões aumentou, no transcurso
da obra, executada às pressas (um “poleiro” provisório foi colocado para a
partida inaugural, em 14 de junho, a fim de atender uma das exigências da
FIFA), para R$ 1,2 bilhão, dinheiro emprestado pelo BNDES e Caixa Econômica
Federal (CEF).
No dia 31 de agosto de 2016, a Câmara dos Deputados afastou a
petista Dilma Rousseff da Presidência da República. Começava um processo de
transição na filosofia política do Brasil, concluído no dia 1º deste ano com a
posse do palmeirense Jair Bolsonaro.
Os corinthianos, evidentemente, não esperavam essa drástica
mudança nos gabinetes do governo, em
Brasília, incluindo seu torcedor mais famoso, Luiz Inácio Lula da Silva, e o
presidente do clube, o espanhol-andaluz e deputado federal (PT-SP) Andrés
Sánchez. De um dia para o outro o Corinthians se viu responsável por uma dívida
bilionária, reputada pela revista “Exame” como “o maior golpe do dinheiro
publico do país”.
“O Corinthians não vai perder o seu estádio”, garantiu
Sánchez esta semana numa coletiva de imprensa, ao ser questionado sobre os
atrasos, que somam R$ 520 milhões, nos repasses mensais à CEF. Por determinação
da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o “Itaquerão” foi incluído na Dívida
Ativa da União e no FGTS. Os adversários, naturalmente, torcem para que o
estádio vá a leilão.
Fazer parte dessa vexatória lista não é uma exclusividade do
alvinegro paulista. Outros nove clubes (Palmeiras,
Vasco, Fluminense, Botafogo, Avaí, São Paulo, CSA, Fortaleza e Cruzeiro) da 1ª
divisão do futebol brasileiro poderão ter seus bens confiscados pela União.
Além do atraso no recolhimento dos impostos federais e das obrigações sociais,
estão em dívida com fornecedores e bancos, além das obrigações com a Justiça do
Trabalho.
Aos inadimplentes o Congresso acena com o projeto de autoria
do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que propõe um programa de refinanciamento das
dívidas, mas eles teriam que adotar a estrutura de clubes-empresa, deixando de
ser associações sem fins lucrativos, sendo transformados em sociedades anônimas
ou limitadas, e facilitando o acesso de acionistas, nacionais e estrangeiros. A
transição é opcional.
“Não se trata de um perdão das dívidas”, explica o
parlamentar, “mas de construir um acordo entre credor e devedor, que seja bom
para todos”. Ao migrarem para o novo modelo, os clubes poderão usar o Refis
para parcelar suas dívidas em até 240 prestações. Também terão direito a
ingressar com pedidos de recuperação judicial. O projeto deixa claro que as
associações devedoras precisam contar com a boa vontade dos credores das áreas
cível e trabalhista.
Único representante baiano na divisão de elite do futebol
brasileiro, o Bahia acumula hoje dívidas em torno de R$ 147 milhões, herança
deixada por um regime ditatorial que durou 25 anos. Considerado hoje pela
imprensa esportiva nacional como o clube mais democrático do país, o tricolor
baiano, sob a presidência de Guilherme Bellintani, vem colocando em prática um
processo de recuperação administrativa, financeira e esportiva, obtendo
resultados importantes.
Fernando Schmidt, primeiro presidente eleito com os votos dos
associados, recebeu em 7 de setembro de 1913 um clube desestruturado,
mergulhado em dívidas, a maioria na esfera trabalhista, resultado de salários
não pagos no passado a técnicos, jogadores e funcionários.
O Bahia conseguiu através de um acordo com o Tribunal Regional
do Trabalho (TRT-BA) renegociar a enorme dívida trabalhista, a fim de não sofrer
penhoras e bloqueios judiciais. Mensalmente, o clube repassa ao TRT R$ 600 mil.
O Bahia está entre os 14 representantes da série “A” que aprovam o modelo
proposto de clube-empresa.