DEUSINETE DO PÊNALTI (FICÇÃO)
Nando da Costa Lima~
Tava na cara que ia ser uma partida
de lascar, as duas cidades há muito vinham esperando este confronto. A seleção
de Ibicuí contra o Iguaí Futebol Clube, o time mais forte das redondezas! Já tinham
surrado até a seleção de Poções, um timaço! O jogo foi em Nova Canaã, que era
território neutro. O campo nunca esteve tão cheio, tinha mais de trezentas
pessoas, fora os meninos e as filhas do tenente Ló que assistiram o jogo dentro
da rural pra evitar falatório, as três estavam grávidas do mesmo safado. Como
ele não podia casar com as três, o tenente matou o safado, ficava mais fácil
para as meninas explicar que eram viúvas.
Celsão, que já
jogou até no Botafogo, foi emprestado por Belo Campo para a seleção de Ibicuí,
falou que ia marcar dez “gorro” pra cada namorada, três moças desmaiaram na
hora! Juca Pranchão, atacante do Iguaí, exibia a chuteira feita especialmente
para aquele jogo, tinha 32 birros em cada pé, todos travados com um prego!
Antes de começar o jogo, o vereador Heleno de Zinha fez um discurso, prometeu
um jogo de camisa e uma caixa da legítima Jurubeba Leão do Norte pro time
ganhador, cantou o hino nacional, e quando tentou recomeçar o discurso, o juiz,
que era da oposição, mandou ele ir fazer política “nos inferno” e começou a
partida. O primeiro tempo correu agitado, Teobaldo foi expulso por dar um soco
no bandeirinha e este foi substituído por João Açougueiro. Celsão tava num dia
de inspiração, já tinha feito três gols do meio do campo, e aquele campo era
bem maior que um campo oficial, um goleiro só via o outro se aproximasse a
vista, e só via a cabeça porque tinha uma ondulação no meio do campo. Juca
Pranchão não deixou por menos, além de esfolar a canela da zaga do Ibicuí,
empatou o jogo marcando os quatro do seu time, todos com aquela canhota que
todos já conheciam, quando caía na canhota de Juca o goleiro tremia. Era a
Canhota de Ouro de Iguaí, já tinha ganhado 6 pares de sapato motinha como
melhor jogador do ano e pelo visto ia ser eleito mais uma vez. Chico, um
comentarista de futebol aqui do planalto conquistense, que não ia com a cara de
Juca só porque o goleador era mais conhecido do que ele, disse uma frase que
até hoje não consegui decifrar o que ele quis falar com aquilo: “SE NOME
GANHASSE JOGO O DICIONÁRIO NÃO PERDIA UMA PARTIDA”. Sua noiva Deusinete,
presente em todos os jogos, era tida como o talismã do time, era só piscar o
olho pra Juca e jogar um beijo que a canhota comia solta, era gol certo! Também,
um rabão daquele deixava qualquer um inspirado.
No segundo tempo
foi que aconteceu a tragédia, aos 44 minutos, o jogo duríssimo, um placar de
16x16, Celsão meteu uma chapa na canela de Juca que além de rasgar o meião
deixou os birros desenhados, não ficou um fio de cabelo! Pênalti claríssimo
marcado pelo juiz Zé de Daza, que só marcou porque tinha tomado uma! A torcida
de Iguaí gritou em coro: “Deixa pra canhota de Juca Pranchão”. Ele atendeu ao
pedido e correu pra marca do pênalti com a bola debaixo do braço e tentando
localizar Deusinete, seu amor e amuleto da sorte! A torcida fez questão de
colocá-la de frente pra Juca. Quando o juiz autorizou, Juca correu pra bola e
deu uma paradinha, nesse exato momento Deusinete piscou o olho, jogou um beijo
e inovou o gesto com uma declaração aos berros: “Ai love você”. Ele bateu na
bola com tanta violência que derrubou o varal de roupa de dona Ana e saiu
carregando uma samba canção do tamanho de um lençol de
casal, foi cair no açude de João Bigode. O homem parecia que tava cego, a bola
passou tão longe do gol que quase mata um urubu em pleno voo. O vexame foi
total! Pra piorar, Juca partiu pra cima da noiva dando tapas, chutes e gritando:
“Ai love você um caralho”, enquanto a torcida incentivava: “mata essa vaca
agourenta no pau”, “corta a língua dessa égua metida a americana”.
Com Juca
expulso, Celsão em menos de um minuto fez mais dois gols do meio do campo e
definiu o placar para a seleção de Ibicuí. E Deusinte entrou em baixa, além de
perder o noivo, ficou encalhada, ninguém queria pegar a urucubaca. Tudo por
causa de um pênalti perdido! Hoje, Deusinete do pênalti, apelido que herdou
depois do ocorrido, mora em Conquista... Talvez seja até por isso que o futebol
conquistense nunca conseguiu ser campeão baiano.
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