UMA HISTÓRIA HILÁRIA DO
FREI CISCO E OUTRAS (Parte II)
“O DERRAME DAS PATACAS”
Jeremias Macário
Pela sua idade avançada, o velho Griot já
estava cansado de falar de Bacu e deu uma pausa para contar o período mais
tumultuado quando seus próprios aliados e opositores tomaram o reinado de
“Gula” que havia delegado por um tempo seu trono para a companheira Vilma, mas
esta fracassou. Então, o reino se dividiu em “Babacas” e “Panacas”, espalhando
ódio, terror e intolerância.
Em meio a um caos terrível de cegueira ideológica
entre pros querendo a volta do rei e os contras, a grande construtora “Odeflechet”(
A Grande Montanha), dona da moeda imperial “Patacas”, fez revelações
estarrecedoras sobre os comparsas do “Gula”, demais usurpadores do reino,
Templários e Dráculas - como narrou o Griot.
Conta que a “Odeflechet” contratou o ex-rei
“Gula” como palestrante internacional ao peso de mais de duzentos mil dólares
por apresentação, como forma de arranjar obras no exterior. Afinal, “Gula” era
o cara dos programas sociais e tudo começou com ele, inclusive a história de
Bacu.
Coisas do “arco do véio”, meninos! Coisas
sujas mesmo e muita hilárias, a começar pelos apelidos esquisitos de cada um da
lista da “Grande Montanha Odeflechet”, os quais receberam propinas em bilhões
de dinheiro, no mais conhecido “Derrame das Patacas!”.
Foi dinheiro saindo pelo ladrão em malas,
ceroulas, broacas, alforjes, selas, pacotes, contas em bancos, presentes de
caixas de vinhos, relógios, triplex e até sítios, todos exigindo o seu quinhão,
numa ganância devastadora de eu quero mais.
Para colocar ordem na bagunça, os operadores
colocaram regras com dias de pagamentos nas terças, quartas e quintas, menos na
segunda e sexta, o primeiro por causa da ressaca da cachaça (não era
recomendado lidar com dinheiro embriagado) e o último dia útil da semana porque
era também início da cachaçada.
Os pagamentos das doações e propinas eram
feitos em diferentes locais, até em estábulos de cavalos, para evitar que os
bandidos ladrões comuns descamisados não assaltassem os ladrões de
"colarinho branco”. Mesmo assim, uns roubavam os outros. No esquema, todos
tinham que ter sua senha. Saiu grana até para chefe de tribo indígena, lá na
aldeia da grande floresta do mundo. Dono de central sindical também ganhava sua
parte.
Quando levado coercitivamente para depor
diante dos centuriões do império, o ex-rei “Gula” virou uma jararaca e prometeu
retomar a coroa com mais força para se vingar dos traidores e dedos-duros.
Guloso pelo glamour e pelo conforto de bom vivan, ele sempre achou normal ser
beneficiado com vantagens pecuniárias por ter criado seus programas sociais
para os desvalidos e os mais fracos da minoria.
Pelo que fez, podia sim, receber favores e “doações” dos endinheirados –
assim pensava. Nunca mais essa vida de proletariado! “Sou o mais honesto de
Bacu”.
Todos negaram de “pé junto” suas falcatruas e
chamaram os delatores de mentirosos e covardes. Foi um bafafá danado como nunca
se viu na história de Bacu. Só chefe de índio confirmou pra repórter ter
recebido dinheiro do grande chefe branco da “Grande Montanha”. “Índio ganha
dinheiro de homem branco. Muito bom. Índio quer mais”.
No mais, “Todo Feio”, “Caranguejo”, “Boca
Mole”, “Casa de Doido”, “Pavão”, “Vizinho”, “Piloto”, “Helicóptero”, “Brigão”,
“Nervosinho”, “Mineirinho”, “Balzac”, “Babel”, “Novilho”, “Índio”, “Amigo”
(apelido do rei de Bacu), “Caju”, “Bolinha”, “Bonitinho”, “Primo”, “Belém”,
“Lindinho”, “Alemão”, “Italiano”, “Grisalho” e mais uns duzentos velhacos e
canalhas negaram tudo.
Boa parte da cabroeira foi presa, mas o reino
de Bacu já estava em ruínas e todo contaminado pelo vírus mortal das
corrupções. Outra parte se safou e virou arquivo amarelado das cortes. Muita
coisa terminou em samba, carnaval e cachaça, e ninguém falou mais nisso. Não
demorou muito para tudo ser esquecido.
Bastou uma graninha no bolso do bacuenses para a diversão e um carinho
na garagem.
Mesmo assim, “Touro Duro”, o juiz da corte,
encarou o ex-rei “Gula” que esperneou, enrolou, xingou e falou dos seus feitos
sociais num discurso interminável, mas não convenceu e foi condenado como
culpado pelas armações. Preso, conseguiu fugir para uma nação muito longe, lá
pela África. Foi ser rei noutro lugar.
O velho Griot passou três dias e três noites
contando a história de Bacu, desde colônia, os levantes, as revoltas,
rebeliões, ditaduras, avanços e fracassos. De tanto ser roubado e pisoteado
pelas elites, o reino entrou numa convulsão social.
Um aventureiro aproveitou e se apoderou do
trono, mas a corrupção nunca desapareceu de Bacu. A lei da vantagem já estava
impregnada na sua cultura desde seu nascimento. O povo continuou a sofrer e a
pagar pelas contas das altas mordomias, o que vale dizer, escravo.
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