Nando da Costa Lima
Daqui as coisas sâo bem
diferentes, dá até pra pensar no que passou, eu não queria que fosse desse
jeito, mas quando a gente começa descer não consegue parar, vai até o fundo.
Minha infância não foi das melhores, tive que trabalhar duro na roça, vim pra
cidade já adolescente e fui logo me apaixonando pela boa vida, fiquei obcecado
pelas mordomias da cidade grande. Decidi que tinha que enriquecer, virar
patrão. Isso eu não tirava da cabeça. Depois de trabalhar três anos e não
conseguir nem me alimentar direito com o salário, vi que estava no caminho
errado, honestamente não dava pra ficar rico nem se vivesse mais 500 anos.
Comecei vender contrabando, no início até que dava, depois todo mundo começou
fazer a mesma coisa e o meu comércio foi por água abaixo, ainda bem que com o
dinheiro que sobrou eu comprei sete tarefas de terra aqui perto. Comecei a
trabalhar a terra e me casei logo em seguida, só fiz isso porque o pai da
mulher era meu vizinho e dono de quase cem alqueires de terra. No começo as
coisas correram bem, o sogro me davatudo e meu sftio que antes não tfnha nada
se transformou .num paraíso, tinha de tudo ! Aí eu comecei achar quetava pequeno,
como a mulher era filha única, passei a imaginar uma forma de dar fim no sogro.
Um dia tomei umas a mais e criei coragem, aproveitei que o velho tinha ido
correr a manga sozinho, armei uma emboscada e furei o homem todo de 44, ninguém
ficou sabendo quem foi, meu sogro também não era flor que se cheirasse, já tinha
jogado muita gente pra trás e o crime foi logo esquecido. Com minhas sete
tarefas e mais os cem alqueires da mulher me tornei o maior proprietário da
região, besta eu nunca fui; fiz minha fortuna triplicar em pouquíssimo tempo,
é claro que pra isso tive que tirar muita gente do caminho. Comecei com um
vizinho de cerca que não quis vender a terrinha, deixava o jumento passar para
minhas terras quase todo dia, aquilo me enfezou tanto que tive de matar o jumento
e o dono. Desse dia em diante eu decidi que a melhor maneira de resolver meus
assuntos era na base da bala, pra mim o único advogado de confiança passou a
ser um 38 cheio até a tampa, ali sim, eu botava fé, ou o sujeito assinava o
documento de venda se borrando de medo, ou então ia pro inferno e a viúva assinava.
Eu já tinha terra que dava pra engordar dez mil bois e vários crimes nas
costas. Teve um sujeito que eu matei por amizade. Isto é, matei porque ele
mexeu com a mulher de um amigo, sentei fogo no safado. Depois de muito tempo é
que descobri que a safada era ela, não ele. Mas aí minha consciência já estava
anestesiada, quando o povo falava que depois da terceira morte a gente esfriava
eu pensava que era brincadeira, mas é certo, chegou um tempo que eu acabava de
matar um e ia dormir como se nada tivesse acontecido. Não posso negar, consegui
meus objetivos ! Não é qualquer um, muito menos o filho de um vaqueiro, que
consegue uma das maiores fortunas do Estado aos quarenta anos. Só errei numa
coisa, acreditei demais na minha valentia, nunca imaginei que alguém tivesse
coragem de tentar alguma coisa contra mim, vacilei pensando ser o único que não
prestava e acabei aqui! Onde estou, as terras que consegui de nada valem.
Daqui desse caixão, com o corpo todo furado de balas, inclusive uma no meio da
testa que deixou meus olhos abertos, estou vendo tudo que se passa em meu
velório, se é que pode chamar isso de velório, só tem duas pessoas ! E logo os
dois que planejaram minha morte, eu vi na hora que aquele amigo meu que eu matei
por ele chegou por trás de minha mulher e falou sobre o sucesso do
assassinato, ela ainda comentou que ruim do jeito que eu era ninguém ia saber
quem foi. O que mais me chateou foi quando entraram quatro homens que eu nunca
vi mais gordos ! Fiquei sabendo que eram carregadores quando um deles disse
para os outros que o sacana do defunto era tão miserável que nâo tinha um
amigo, a mulher teve que contratar eles para levarem o caixão. Foram eles que
me deixaram a par das festas que estavam acontecendo na cidade por eu ter
morrido, pode até ser que eles exageraram na narrativa, mas antes de fecharem
o caixão eu escutei o barulho dos foguetes vindo de todos os lados... Parecia
até que era dia de São João.
Nenhum comentário:
Postar um comentário