NA AUSÊNCIA DE UM ESTADO FALIDO, O
TRAFÍCO E A RELIGIÃO OCUPAM ESPAÇO
Jeremias Macário
Assim como o tráfico e
as milícias com seus crimes dominaram as favelas onde o Estado elitista burguês
capitalista, até mesmo conivente, sempre esteve ausente,negando a inserção de políticas
públicas sociais, também correntes religiosas conservadoras e fanáticas
ocuparam seus espaços nas pobres periferias excluídas,para inocular suas
doutrinas oportunistas, muitas vezes de intolerância e ódio.
Nessa encruzilhada de bolsões de miséria e
ignorância, é muito difícil saber onde está a diferença entre o mal e o bem.
Para os esquecidos que não se sentem valorizados como gente, sem perspectivas de
futuro, quem chega com o “bálsamo” da palavra de salvação e a proteção de vida
é bem-vindo e até louvado. É um conforto. O mal, ou o mau, desaparece para se
transformar em bem do bom que “sustenta” seu corpo faminto e “alimenta” a alma que
se sentia vazia.
Dessa forma entram o tráfico e a religião dos
oportunistas no espaço pobre e miserável deixado pelo Estado, que criou no país
uma legião de ignorantes e excluídos do seio da sociedade, servos obedientes e
fanáticos desses falsos profetas da verdade e da razão. Nos últimos anos,
muitos deles galgaram o poder político com os votos desses rebanhos perdidos
que foram atraídos para seus covis da maldade e do fanatismo religioso.
Terreno fértil
Não literalmente como na carta de Pero Vaz
Caminha, do aqui em se plantando tudo dá, esse terreno de pobreza e de
ignorância que perdura há séculos, com a falta de educação e saber, tornou-se
fértil e de fácil cooptação, não somente para os políticos aventureiros e
extremistas na caça dos votos, mas também para os traficantes de drogas e
milicianos, bem como para o avanço do evangelismo fundamentalista.
Ao longo dos anos, os governantes
aproveitadores e egoístas criaram um campo minado, altamente perigoso e prestes
a explodir. Sem mais controle, para os traficantes e milicianos (mistura com
militares) que invadiram os morros onde o Estado criminalizou os moradores,
usa-se a força da violência na base do fuzil e dos tanques, matando até mesmo
mais inocentes que criminosos.
Os monstros de várias cabeças dos dois lados
(governo e tráfico) só fazem crescer, e quem aparece para denunciar as
injustiças, realizar e cobrar programas sociais, se torna alvo das balas
assassinas deles. A população fica entre a cruz e a espada. Se ficar o bicho
come, se correr o bicho pega.
Sem apoio político-social e opção de melhoria
de vida, o tráfico encontra o campo propício para cooptar a população,
principalmente os jovens, que entram numa viagem sem volta para o inferno. Por
sua vez, o político bandido usa isso para lucrar, formando organizações
criminosas empresariais, muitos delas se unindo aos traficantes e milicianos. Está
assim montado um Estado paralelo num espaço que deveria ser responsabilidade dos
governantes.
Há quase quarenta anos, o ex-presidente João
Goulart já dizia que “a maior parte do povo brasileiro é pobre, desnutrida,
desprotegida, desinformada, analfabeta e sem oportunidades de estudo. Quando
surge um governo voltado para a maioria dos brasileiros, fere os privilégios
dessa minoria que domina a economia e escraviza nossos trabalhadores”.
Neopentecostais
O quadro continua atual e aí sobra espaço
para o tráfico e a religião, especialmente tomado pela nova onda de
neopentecostais ultraconservadores que estão espalhados em cada esquina das
cidades. Nas periferias estão mais concentradas as pessoas que chegam às levas
dos brejões mais longínquos dos interiores abandonados em busca de
sobrevivência e dias melhores.
Acontece que esse indivíduo é mais um número
nas estatísticas da pobreza desassistida. Sem infraestrutura, na maioria das
vezes sem moradia própria, sem contar com programas de ação social por parte
dos órgãos públicos, convivendo numa situação de precária educação e saúde e
sem o reconhecimento como pessoa humana, ele não passa de mais um zé ninguém.
Nesse ambiente de abandono e desvalorização
do ser, entram as igrejas com suas doutrinas fanáticas como salvadoras de
almas, que prometem alento para o desespero e dias melhores em troca de um
dízimo. Um pedreiro, servente ou um encanador que nunca foram valorizados são
acolhidos e passam a ter voz naquela comunidade religiosa, muitos até como
novos pastores.
O contingente desses descamisados,
desvalorizados e de baixo nível de instrução, cooptados e doutrinados num
processo de lavagem cerebral,com a pregação de intolerância contra as outras
religiões, como o candomblé,por exemplo, só faz aumentar no Brasil.
Muitas dessas religiões propagam e incutem em
seus fiéis, a maioria frágil e de fácil manipulação, a ideia de que fora da
igreja não há salvação, e que só Cristo salva. Nessa linha pentecostal
extremista e conservadora, dia desses ouvimos de uma cantora gospel que os
católicos não são filhos de Deus.
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