Maria Ressa e Dmitri Muratov ganham o Prêmio Nobel da Paz em 2021
Jornalistas foram premiados por 'sua corajosa luta pela liberdade de
expressão nas Filipinas e na Rússia', o que é uma 'precondição para a
democracia e paz duradouras', anunciou a Academia Real das Ciências da
Suécia
Redação, O Estado de S.Paulo
08 de outubro de 2021 | 06h03
Atualizado 08 de outubro de 2021 | 07h47
OSLO - O Prêmio Nobel da Paz de
2021 foi concedido nesta sexta-feira, 8, para os jornalistas Maria Ressa, das
Filipinas, e Dmitri
Muratov, da Rússia, pela "contribuição essencial de ambos para a liberdade de expressão e pelo jornalismo em seus países".
A academia afirmou que Ressa e Muratov receberam o Nobel da Paz "por sua
corajosa luta pela liberdade de expressão nas Filipinas e na Rússia" e
que a liberdade de expressão "é uma condição prévia para a democracia e
para uma paz duradoura".
Para entender o prêmio Nobel da Paz
Ilustração
mostra Maria Ressa e Dmitry Muratov, vencedores do Nobel da Paz de 2021 Foto: Reprodução/Prêmio Nobel
"[Os laureados] são representantes de todos os jornalistas que defendem
este ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa
enfrentam condições cada vez mais adversas", afirmou a entidade
responsável pelo prêmio Nobel.
"O jornalismo gratuito, independente e baseado em fatos serve para
proteger contra o abuso de poder, mentiras e propaganda de guerra. O
comitê norueguês do Nobel está convencido de que a liberdade de
expressão e a liberdade de informação ajudam a garantir um
público informado", afirmou a instituição.
A academia sueca disse também que "esses direitos são pré-requisitos
essenciais para a democracia e protegem contra guerras e conflitos" e
que o prêmio para os jornalistas "visa sublinhar a importância de
proteger e defender estes direitos fundamentais [a liberdade
de expressão e informação]".
"Ressa usa a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso
da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal, as
Filipinas", descreveu a academia sueca. Ela é cofundadora da Rappler,
uma empresa de mídia digital de jornalismo investigativo.
"Liberdade de expressão e de informação são fundamentais para o
funcionamento da democracia e para evitar guerras e conflitos", afirmou a
Academia.
Dmitri Muratov é editor-chefe do jornal Novaya Gazeta, um dos poucos
veículos na Rússia críticos do governo do presidente russo Vladimir
Putin. Seis jornalistas que trabalhavam no Novaya Gazeta foram
assassinados em situações suspeitas.
O Kremlin saudou nesta sexta-feira a "coragem" e o "talento" do
jornalista Dmitri Muratov , pela sua luta pela liberdade de expressão
como chefe do principal diário da oposição russa.
"Felicitamos Dmitri Muratov. Trabalha incansavelmente seguindo os seus
ideais, agarrando-se a eles. Ele é talentoso e corajoso", disse o
porta-voz presidencial russo, Dmitri Peskov, aos jornalistas.
Os dois jornalistas ajudaram a fundar veículos de comunicação
independentes em seus países e vão dividir o prêmio de 10 milhões de
coroas suecas (cerca de R$ 6,3 milhões).
PARA ENTENDER
Guia para entender o prêmio Nobel da Paz
Veja como a honraria foi criada e os nomes cotados para este ano
Quem é Maria Ressa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2021
Jornalista há mais de 35 anos, a filipina Maria Ressa, de 58 anos, é
conhecida por ser co-fundadora do Rappler, principal site de notícias
que lidera a luta pela liberdade de imprensa nas Filipinas e combate à
desinformação. À frente da Rappler, Maria Ressa
tem enfrentado constante assédio político e detenções pelo governo
populista de Rodrigo Duterte.
Em uma entrevista ao Rappler logo depois de ganhar o prêmio, Ressa
afirmou que o mundo precisa se unir no combate à desinformação. "O mundo
deve se unir como fez após a 2ª Guerra para resolver esse problema. O
que eles fizeram? Eles criaram as Nações Unidas,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este é o tipo de momento
que requer isso, e não sei como nós, nas Filipinas, teremos integridade
nas eleições se não forem colocadas grades de proteção em torno das
plataformas de mídia social", disse Ressa.
Na entrevista, Ressa explica como as mídias sociais minaram a confiança
das pessoas nos fatos: "Nada é possível sem fatos. Mesmo que os fatos
sejam realmente enfadonhos, tudo começa com uma realidade compartilhada
que é definida pelos fatos. O que vimos é que,
à medida que os jornalistas perdiam seus poderes para as plataformas de
tecnologia, tudo isso foi embora quando a tecnologia assumiu a função
de guardiã das informações. Essa é uma crise existencial não apenas para
jornalistas ou a democracia filipina, mas
globalmente. O que aconteceu em nosso ecossistema de informação, esse
vírus da mentira que foi introduzido por algoritmos de plataformas de
mídia social, infecta pessoas reais e as muda, é como a explosão de uma
bomba atômica."
“Desde 2016 eu digo que estamos lutando pelos fatos. Quando vivemos em
um mundo onde os fatos são discutíveis, onde o maior distribuidor de
notícias do mundo prioriza a disseminação de mentiras misturadas com
raiva e ódio, e os espalha mais rápido e mais longe
do que os fatos, então o jornalismo se torna ativismo”, disse Ressa.
“Essa é a transformação pela qual passamos no Rappler ... Como fazemos o
que fazemos? Como os jornalistas podem continuar a missão do
jornalismo? Por que é tão difícil continuar contando à comunidade, ao
mundo, quais são os fatos? Na batalha dos fatos, isso
mostra que o comitê do Prêmio Nobel da Paz percebe que um mundo sem
fatos é um mundo sem verdade e confiança. Se você não tem nenhuma dessas
coisas, certamente não pode vencer o coronavírus, a mudança climática
... Tenho repetido isso várias vezes, é como
Sísifo rolando a rocha morro acima.”
Antes de fundar o Rappler, Maria tem no currículo quase uma
década dedicada ao trabalho de repórter investigativa da CNN, com ênfase
no terrorismo no Sudeste Asiático. Ela ainda fundou e dirigiu o
escritório de Manila da CNN por 9 anos antes de abrir o escritório
em Jacarta da rede, que dirigiu de 1995 a 2005.
Maria
Ressa se prepara para pagar a fiança da acusação de “difamação
cibernética". “Paguei fianças mais caras que Imelda Marcos", disse ela.
Foto: Alecs Ongcal/EPA, via Shutterstock
Em 2018, Maria Ressa foi nomeada a Personalidade do Ano de 2018 pela
revista Time Magazine, esteve entre as suas 100 Pessoas Mais Influentes
de 2019, e foi também nomeada uma das Mulheres Mais Influentes do Século
do Time, entre outros.
Entre os prêmios, Maria Ressa já recebeu o “Caneta de Ouro da Liberdade
da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias”, o Prêmio
Internacional de Jornalismo Knight do Centro Internacional de
Jornalistas e o Prêmio Sergei Magnitsky de Jornalismo Investigativo.
A história de Ressa é contada em um documentário, Mil Cortes (A Thousand
Cuts), da diretora Ramona S. Diaz, que narra a vida da repórter
investigativa deesde sua passagem pela CNN no sudeste asiático até a
fundação do Rappler, e sua luta para defender a liberdade
de imprensa e a democracia nas Filipinas.
Quem é Dmitri Muratov, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2021
Dmitry Muratov, de 59 anos, é o fundador e editor-chefe do Novaya
Gazeta, jornal crítico ao governo e com influência nacional da Rússia.
Em 2007, Muratov ganhou um Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa
do Comitê para Proteção dos Jornalistas. A honraria é atribuída a
profissionais que demonstrem coragem na defesa da liberdade de imprensa
face a ataques, ameaças ou prisões.
Dmitri Muratov,
editor do veículo de oposição a Putin, Novaya Gazeta Foto: AP Photo/Alexander Zemlianichenko
Em 2010, o jornalista recebeu a ordem da Legião de Honra, a mais alta condecoração da França, no grau de Cavaleiro.
Novaya Gazeta é reconhecido pelas investigações sobre questões sensíveis
ao país, como a corrupção, violações dos direitos humanos e abuso de
poder. Por esses motivos, tem pagado um preço muito caro na Rússia: três
dos seus repórteres foram mortos desde a fundação,
em 1993. A mais recente vítima foi a jornalista de investigação Anna
Politkovskaya.
No início dos anos 90, Muratov e cerca de 50 colegas começaram o Novaya
Gazeta com o objetivo de criar "uma publicação honesta, independente e
rica" que iria influenciar a política nacional.
O plano era ambicioso, considerando que o grupo tinha apenas dois
computadores, uma impressora, duas salas e pouco dinheiro para salários.
Um impulso inicial veio justamente do Nobel da Paz. Isso porque, o
ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev, doou parte
do seu prêmio de 1990 para pagar a compra de computadores e salários do
jornal.
Outros premiados com o Nobel da Paz
No ano passado, o laureado foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy
Ahmed, "por seus esforços para alcançar
a paz e a cooperação internacional, principalmente por sua iniciativa decisiva destinada a resolver o conflito na fronteira com a Eritreia".
Em 2018, a jovem yazidi Nadia Murad e o ginecologista congolês Denis
Mukwege ganharam o Nobel da Paz por seus esforços contra o uso da
violência sexual como arma de guerra. No ano anterior, ganhou a Campanha
Internacional para a Abolição de Armas Nucleares,
por chamar a atenção para as consequências do uso do armamento e chegar
a um acordo pelo fim das armas nucleares.
Em 2017, em razão de seus esforços para obter um acordo de paz com as
Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o ex-presidente
colombiano Juan Manuel Santos levou o prêmio.
Algumas das grandes surpresas incluem a paquistanesa Malala Yousafzai,
que recebeu o prêmio em 2014, aos 17 anos, "pela luta contra a opressão
das crianças e dos jovens e pelo direito de todas as crianças à
educação". Ela se tornou a pessoa mais jovem a receber
o Nobel.
Outra grande surpresa, muito contestada à época, foi a escolha, em 2009,
do então presidente american Barack Obama, agraciado por seus
"esforços extraordinários para fortalecer a diplomacia internacional e a
cooperação entre os povos".
Desde a última segunda-feira, o Nobel já divulgou os laureados das categorias de Medicina,Física,Química e Literatura.
Como funciona o Nobel da Paz
O prêmio Nobel da Paz é concedido, desde 1901, a homens, mulheres e
organizações que trabalharam para o progresso da humanidade, conforme o
desejo de se criador, o inventor sueco Alfred Nobel. Ele é lembrado como
o patrono das artes, das ciências e da paz que,
antes de morrer, no limiar do século 20, transformou a nitroglicerina
em ouro.
O prêmio é entregue pelo Comitê Norueguês do Nobel, composto por cinco
membros escolhidos pelo Parlamento norueguês. O vencedor recebe, além de
uma medalha de ouro, 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a US$
910 mil (R$ 5 milhões).
Indicar uma pessoa a um prêmio Nobel é relativamente simples. O comitê
organizador distribui (e fornece em seu site) formulários para centenas
de formadores de opinião.